A humildade de Nossa Senhora – Dom Carlos Lema

Redação VOTC

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Na novena de hoje, refletimos sobre a humildade de Nossa Senhora. Para isso, vou mencionar alguns versos de um poema antigo, escrito por São José de Anchieta, intitulado Beata Virgine Maria. Essa obra contém 5.732 versos e, segundo a tradição, parte deles foi composta na areia da praia de Itanhaém. Claro que as ondas do mar os apagariam, mas ele os guardou na memória, decorando-os completamente. Esse poema é uma das primeiras manifestações da literatura sagrada em nosso país.

 

Em um dos trechos, ele fala da humildade de Maria:

“Abre, ó Virgem, com tuas labaredas,
meu peito enregelado e esse bloco de gelo que é meu coração.
Que o amor eterno do teu Filho me incendeie,
que me queime eternamente o teu amor.
Por que te admiras de te fazerem Rainha do Céu,
se estás sempre a escolher na Terra o último lugar?”

 

Maria Santíssima nunca se considerou superior aos outros, nem se achava merecedora de reconhecimento. Quando recebeu o anúncio do anjo de que seria a Mãe de Deus, apenas perguntou como isso se realizaria. Sua resposta ao Arcanjo foi simples:
“Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a vossa palavra.”

Enquanto Deus a chama de Mãe, ela se reconhece como serva, como escrava. E é nisso que devemos aprender com ela. O instante da encarnação do Verbo é o momento mais importante da história da humanidade desde a criação do mundo, e mesmo assim, nada extraordinário aconteceu visivelmente. O Arcanjo é enviado a uma jovem moça e, em vez de exaltar-se, Maria se mostra humilde.

Qualquer outra jovem de 15 ou 16 anos, como ela, poderia ter pensado: “Que maravilha, sou a Mãe de Deus! Preciso me preparar, renovar meu enxoval, trocar minhas roupas.” Talvez dissesse a José: “Olha meu armário, preciso de roupas mais elegantes.” Poderia passar horas no espelho, pensando no melhor penteado para ser a Mãe de Deus. Mas Maria não faz nada disso. Ela não pensa um instante em si mesma.

Pelo contrário, como nos ensina São Lucas, ela se levanta com pressa, com entusiasmo, com alegria e diligência e vai às montanhas para visitar sua prima Isabel. Passa três meses servindo Isabel, que já estava em idade avançada e no sexto mês de gravidez. Maria arruma a casa, prepara as refeições, cuida do enxoval da prima, enquanto ela mesma estava grávida e teria, em teoria, que preparar o seu próprio.

 

Essa é a verdadeira humildade de Maria: não apenas diz que é serva, ela vive como serva. Vai ajudar sua prima, mesmo esperando o Filho de Deus. E ela se sente feliz por isso, exultando de alegria. Naquele momento, Maria levanta seu coração a Deus e entoa o cântico do Magnificat, reconhecendo todos os dons que Deus colocou em sua alma:

“Fez em mim grandes coisas o Todo-Poderoso,
cujo nome é Santo,
porque Ele reparou na humildade da sua serva.”

 

E como estamos longe dessa humildade! Muitas vezes achamos que somos importantes ou, pelo menos, merecedores de algum reconhecimento. Não temos a mesma disposição de servir os outros com alegria ou de reconhecer as qualidades alheias. Se não formos desapegados da nossa própria imagem, não conseguiremos imitar a humildade de Maria.

 

Existem duas condições fundamentais para a humildade:

  1. Reconhecer a Deus pelos dons que recebemos.
    Não é errado perceber as coisas boas que temos, mas devemos atribuí-las a Deus. Quantas vezes agradecemos a Ele pelas boas obras que realiza através de nós? Quantas vezes O louvamos por Sua paciência com nossas rebeldias e caprichos? Ele sempre nos perdoa e nos trata como um verdadeiro Pai, mesmo sem merecermos.

  2. Saber pedir perdão e reconhecer os próprios erros.
    A humildade nos leva a admitir nossas falhas. Quantas vezes somos capazes de dizer “eu errei”, “a culpa foi minha”? Ou de pedir desculpas a quem convivemos? Nossa tendência é sempre culpar os outros, não a nós mesmos. As discordâncias e desavenças geralmente nascem dessa falta de humildade.

Maria Santíssima também é chamada de Onipotência Suplicante, como dizia São João Paulo II. Um trecho do poema diz:

“Pede, portanto, ao Pai, estremecida a filha,
pois quanto quiser a filha, tanto fará o Pai.
Pede, portanto, ao Filho, ó Mãe bondosa,
pois quanto quiser a Mãe, tanto fará o Filho.
Pede, portanto, ao Esposo, ó Virgem Formosíssima,
pois quanto quiser a Esposa, tanto fará o Esposo.
Pede o que quiseres, tudo alcançarás.
Ele não sabe negar nada àquela que o acolheu em seu ventre e em seus braços.”

 

Maria é filha de Deus Pai, Mãe de Deus Filho e esposa do Espírito Santo. Por isso seu poder de intercessão é único. Nós pedimos como filhos, mas Maria pede como Mãe. E mães têm autoridade sobre seus filhos. Basta lembrar das Bodas de Caná, quando Maria, percebendo que o vinho estava acabando, intervém. Jesus realiza seu primeiro milagre a pedido dela, mesmo não estando, à primeira vista, disposto a fazê-lo.

Ela compreende as necessidades dos filhos e intercede com poder. Todas as graças que vêm de Deus passam pelas suas mãos amorosas. Por isso, devemos pedir tudo a ela: um emprego, a cura de um ente querido, a conversão de alguém, um casamento abençoado…

 

Um exemplo: uma moça católica namorava um rapaz ateu, embora de bom coração. Ela se preocupava com a fé, com o casamento, com a futura educação religiosa dos filhos. Um dia foram juntos a uma igreja. Diante da imagem de Nossa Senhora, ela hesitou em sugerir uma oração, temendo que ele recusasse. Então sugeriu um Pai Nosso. O rapaz disse: “Não posso. Não acredito em Deus, não aceito Sua vontade, não me arrependo dos meus pecados.”

Então, ela propôs rezarem uma Ave Maria, dizendo: “É uma oração para pecadores como você.” Eles rezaram. E ao pedir a Nossa Senhora que rogasse por eles, o rapaz se converteu. Vemos aqui a força da intercessão de Maria.

 

Em outro trecho do poema de Anchieta, ele diz:

“Oh! Quem me dera ser digno
de molhar dos olhos meigos da Senhora,
e ser, muito embora,
o último entre os seus servos.

Abre, ó Virgem, com tuas labaredas,
meu peito enregelado,
esse bloco de gelo que é meu coração.
Que o amor eterno de teu Filho me incendeie,
que me queime eternamente o teu amor.

Bem-aventurado, quem,
na solidão bendita de uma noite serena,
de tanto te amar, em ti medita,
e de tanto meditar, mais te ama.”

 

E em um momento comovente, ele se prostra diante dela pedindo perdão:

“Ai de mim! Por que, cego,
de vil amor à minha imundície,
te desprezei, ó mimo da criação?

Por que não se renderam a tanta luz meus olhos?
Por que tanta fragrância não me inebriou o coração?

Ó infeliz de mim, requeime o vício da minha carne e da minha alma,
riquezas com que o Pai celeste me prendara.

E ausentando-me para longe, abandonei pai e mãe,
lançando minhas obras contra ti, contra Deus.

E agora, enfim, meu regresso à procura do meu Pai,
Pai de minha Mãe,
e espero, com os teus méritos,
encontrar a ti e encontrar a Deus.

Permite que, infeliz, me prostre aos teus umbrais.
Não cerres duramente a porta às minhas súplicas.

Deixa que aqui passem inteiras as noites,
que aqui chore inteiros os dias.”

Assim seja.

 

Homilia de Dom Carlos Lema no primeiro dia do solene novenário de Nossa Senhora do Carmo de 2025.

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