O espírito de oração de Maria – Padre José Eduardo da Silva

Redação VOTC

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Em um mundo ensurdecido por ruídos e devorado por pressas, como é necessário ouvir de novo o silêncio orante de Maria. O espírito de oração da Virgem não é uma atitude passageira, não é uma disposição acidental, nem mesmo uma virtude entre tantas. É o próprio oxigênio de sua alma, o respirar contínuo do seu coração, a nota dominante da sua existência. Como Templo Santo onde a glória de Deus repousava, Maria é o santuário vivo onde a oração não cessa, onde a chama da adoração nunca se apaga, onde a voz do coração sobe dia e noite aos céus como incenso suave. Diz o evangelista: “Maria guardava todas essas coisas, meditando-as no seu coração.” Oh palavra, oh Verbo divino que penetra o véu do mistério. 

Sim, ela guardava, custodiava, como o sacerdote guarda os vasos sagrados, como o povo de Deus guardava o maná no deserto, como o templo guardava a arca, como a terra guarda a semente que nela germinará para dar fruto. Ela meditava: conferens in corde suo. Não com a distração da carne, mas com o ardor do espírito, com a agudeza da fé, com o lume da caridade. Nova Eva não dialoga com a serpente, mas conversa com Deus. O seu interior é o jardim fechado do Cântico dos Cânticos, onde o Esposo passeia e a alma se inflama.

Vede, amados: no Antigo Testamento, a figura mais luminosa da oração é Moisés. Ele sobe ao monte. Ele entra na nuvem. Ele fala com Deus como um amigo fala ao seu amigo. Mas quando desce, seu rosto resplandece. Por quê? Porque viu a Deus? Não. Porque ouviu a Deus. A verdadeira visão começa no ouvido. A luz nasce da escuta. Ora, Maria é mais que Moisés. Se ele recebeu as Tábuas da Lei, ela recebeu o Verbo da Graça. Se ele entrou na nuvem, ela foi envolta pelo Espírito. Se ele viu de costas a glória divina, ela teve em seu ventre o Deus feito carne. E onde se deu essa teofania? Não sobre um Sinai tempestuoso, mas na paz de Nazaré. Não entre trovões, mas entre murmúrios. Não com pedras, mas com carne. Sim, a Anunciação é o novo Sinai, mas invertido. Deus desce em silêncio. O fogo é do Espírito. A nuvem é a sombra do Altíssimo e o receptáculo é o seio da Virgem.

Que oração há em Maria? Na oração feita de muitas palavras, não, mas de inteira escuta. “Eis aqui a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra.” A oração de Maria é como a terra fértil. Não fala, mas acolhe. Não brada, mas concebe. É a oração que faz calar tudo, menos a fé. Por isso é que Santo Agostinho dirá que Maria concebeu a Palavra antes no coração do que no ventre. Vede ainda a piedosa figura de Ana, mãe de Samuel, modelo da oração suplicante. Ana, estéril, mas fervorosa, entra no templo, chora diante do Senhor, murmura com os lábios, mas não profere sons. Eli a toma por embriagada. 

O mundo não compreende a embriaguez dos orantes, mas Deus escuta os silêncios dos que O buscam. E Ana, mulher de oração, gera um profeta. Maria, porém, não ora por um filho. Ela é orada por Deus para gerar o próprio Filho de Deus. Ana ora no templo. Maria é o novo templo. Ana oferece Samuel a Deus. Maria oferece Jesus ao mundo. Ana murmura orações. Maria é o murmúrio do Espírito. Sim, porque em Maria, o espírito de oração é o próprio Espírito Santo que nela habita.

A oração de Maria não é só de súplica, mas de adoração. Ela é a Virgem que escuta, a esposa que acolhe, a mãe que contempla, a serva que se cala. Se Ana chorava, Maria canta: “Minha alma glorifica ao Senhor, meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador!” Eis a oração que brota do seu interior. Eis o Magnificat, que não é senão um eco dos Salmos, uma alma completamente habitada por Deus. Lembremo-nos agora de nosso pai, Elias, o profeta inflamado. Ele sobe ao Monte Horebe. Ele espera a passagem de Deus, e Deus não está no terremoto, nem no fogo, nem no vento impetuoso. Deus está na brisa leve. Vox aure tenuis, na voz sutil do silêncio. Que mistério! O Todo-Poderoso não se manifesta com estrondos, mas com murmúrios. 

Elias cobre o rosto, está diante do mistério, está diante da palavra que não grita, mas sussurra. Maria é a alma onde essa brisa leve habita. Ela é a sarça ardente do Êxodo que arde sem se consumir. Fogo da caridade, silêncio de humildade. Quem se aproxima deve tirar as sandálias, pois é Terra Santa. A oração de Maria é como o fogo que não consome, como a brisa que arrebata. Sua alma vive do recolhimento, da escuta, da união amorosa com Deus invisível. Quando os pastores contam o que ouviram dos anjos, ela não se exalta, nem se admira ruidosamente, mas, diz-nos a Escritura, guardava todas essas coisas, meditando-as no seu coração. Maria ora, não para mudar a Deus, mas para deixar-se mudar por Ele.

Contemplemos agora Judite, a viúva orante. Sozinha, de noite, entra no campo inimigo, reza, jejua, cala-se. E com uma espada corta a cabeça de Holofernes. Figura da alma que, pela oração, abate os inimigos espirituais. Maria é a nova Judite. Ela não empunha espadas, mas carrega em seu seio aquele que esmagará a cabeça da serpente. Ela não se veste para seduzir os inimigos, mas para atrair o Espírito. Não jejua só com o corpo, mas com a vontade. Sua oração é pura, é inteira, é imaculada. Como Judite salva Israel com sua coragem, Maria salva o mundo com a sua fé. Como Judite sobe a Jerusalém com a cabeça do inimigo, Maria sobe à casa de Isabel com o Verbo em seu seio, encarnado. Como Judite é saudada pelas mulheres de Israel, Maria será chamada bem-aventurada por todas as gerações.

E o que diremos do Cântico dos Cânticos? Esse livro de amor e desejo, de busca e contemplação? Quem é a amada que sobe do deserto como coluna de fumaça? Quem é esta que mora nos jardins e cuja voz faz estremecer o Esposo? Maria. Maria é o jardim fechado, a fonte selada, o poço de águas vivas. Sua alma é perfumada com os óleos da graça. Sua oração é o perfume que sobe. O Esposo, Deus, vem passear em seu jardim. Ele colhe lírios, escuta a voz da amada e nela repousa. Maria é esposa orante, mas também a mãe do Esposo. Ela busca a Deus, mas também é buscada por Ele. Ela chama, mas é chamada. Sua oração é união, é amor, é êxtase sem desfalecimento, é dilatação sem excesso.

Ester. Que figura admirável! Mulher que entra em presença do rei para interceder por seu povo. Arrisca a vida. Reveste-se de beleza, mas também de temor. E o rei estende-lhe o cetro. Maria é a nova Ester. Ela não entra apenas no palácio de um rei humano. Ela entra no santuário celeste. Ela não intercede por um povo apenas, mas por toda a humanidade. Não oferece apenas palavras, oferece o próprio Verbo. Sua oração é meditação. Ela está de pé como a Rainha ao lado do Rei. A oração de Maria é intercessão contínua. “Eles não têm mais vinho”, diz ela em Caná. E ainda hoje o diz: eles não têm mais graça. Quem não recorrerá a esta poderosa orante? Quem não buscará refúgio na Mãe que tudo pode junto de Deus? O espírito de oração de Maria é um rio que nunca seca, uma fonte que nunca cessa, uma chama que nunca se apaga.

Mas ainda não se esgotaram os reflexos do Espírito de oração de Maria nas Escrituras. Aquele que lê com olhos ungidos pelo Espírito perceberá que, em todo o Antigo Testamento, Deus foi desenhando com pinceladas delicadas, simbólicas, misteriosas, o ícone da orante por excelência: aquela em quem todos os murmúrios da fé, todos os cânticos da esperança e todos os suspiros da caridade seriam recolhidos e elevados ao cume da perfeição.

Maria Santíssima. Míriam, irmã de Moisés, é a primeira mulher a ser chamada profetisa nas Escrituras. Quando Israel atravessa o mar a pé enxuto e contempla os egípcios tragados pelas águas, ela toma um tamborim e canta: “Cantai ao Senhor que fez brilhar a sua glória, precipitou no Mar Vermelho o cavalo e o cavaleiro.” Vede, irmãos, o espírito de oração jubilosa que exala de uma alma libertada. Maria é a nova Míriam. Ao ver não apenas a libertação de um povo temporal, mas a vinda do Redentor que libertaria toda a humanidade do pecado, ela entoou o Magnificat: “O Senhor fez em mim maravilhas, Santo é o seu nome.” Míriam cantou a vitória sobre o Faraó. Maria canta a vitória sobre o diabo. Míriam dança no deserto. Maria exulta no silêncio de Nazaré. A oração de ambas é um canto profético. Mas, em Maria, esse cântico se torna eterno, pois ecoará na liturgia da Igreja em todas as tardes, até o fim dos tempos.

Agar, a egípcia, foi rejeitada por Sara e fugiu para o deserto com seu filho Ismael. Lá, sozinha e desolada, encontra o anjo do Senhor que lhe diz: “Tu és o Deus que me vê.” El-Roí. Agar é a figura da alma orante no desamparo, da mulher invisível aos olhos dos homens, mas vista por Deus. Maria é a nova Agar, não porque expulsa, mas porque acolhe. A humildade de Maria é aquela da serva invisível: “Olhou para a pequenez de sua serva”, canta ela. Mas, ao contrário de Agar, Maria não foge. Ela permanece, espera, silencia, entrega-se. E no seu silêncio, Deus a vê. E porque a vê, dela nasce Aquele que vê todos os corações.

Rebeca, mãe de Jacó e Esaú, ao saber que o pai, Isaque, vai abençoar o primogênito Esaú, urde uma santa astúcia. Ela veste Jacó com a pele do irmão mais velho para que o pai o confunda e o abençoe. Eis aqui um gesto que parece estranho à primeira vista, mas que brilha à luz da tipologia. Rebeca é a figura da intercessora, da mulher que, conhecendo o plano de Deus, coopera com ele, mesmo sem plena compreensão de todos os meios. Maria é a nova Rebeca. Ela também reveste um Filho — Cristo, o Cordeiro — com a pele da humanidade pecadora, para que o Pai, ao olhá-Lo, nos confunda com Ele e nos abençoe. Rebeca ensina a Jacó o caminho da bênção. Maria ensina à Igreja o caminho da oração. Rebeca prepara o filho para entrar na presença do pai. Maria prepara os filhos de Deus para se apresentarem diante do Altíssimo.

Betsabé é, sim, uma mulher marcada por drama e fragilidade, mas, no fim da sua vida, é honrada como rainha e mãe. Quando Salomão se torna rei, ela entra à sua presença e o rei se levanta, se inclina e manda colocar um trono para ela à sua direita. Ela se torna a figura da intercessora real, a Guebirá, a senhora que fala ao ouvido do Rei. Maria é a verdadeira e perfeita Rainha. Ela não apenas gerou o Rei, ela se assenta à sua direita, no trono celeste, coberta de ouro de Ofir. E, como Betsabé dizia a Salomão: “Tenho um pequeno pedido para te fazer, não mo rejeites”, assim Maria intercede: “Eles não têm mais vinho.” Mas há mais. Betsabé pecou. Maria é imaculada. Betsabé gerou Salomão, um tipo de Cristo. Maria gerou Cristo, sabedoria em pessoa. Betsabé teve o trono por direito humano. Maria o tem por mérito divino. O espírito de oração em Maria é o de quem já reina com o Filho. E mesmo assim, não cessa de pedir por nós.

Rute, a moabita, viúva, pobre, mas diz a Noemi: “Teu povo será o meu povo e teu Deus será o meu Deus.” Ela abandona sua terra, sua casa, sua segurança e segue em fé. Rute é imagem da alma pobre e fiel, que ora com sua vida. Não clama, não exige, não questiona: espera. Vai respigar nos campos de Booz, dorme a seus pés, é resgatada, torna-se mãe do avô de Davi. Eis o caminho da humildade que precede a exaltação. Maria é a nova Rute. Sua oração é doação total, pobreza radical, confiança absoluta. Como Rute, ela nada exige. Como Rute, ela recolhe as espigas da Palavra. Como Rute, ela será fecundada pela graça e dará à luz o Redentor. O espírito de oração de Maria é o da Rute perfeita, que une fé, silêncio e espera até que o Booz divino a acolha como esposa e a faça mãe do povo novo.

E se quisermos um retrato completo da alma orante de Maria, o Espírito nos dará um modelo na mulher forte de Provérbios: “Reveste-se de força e dignidade, sorri para o futuro, abre a boca com sabedoria e a instrução da bondade está em sua língua. Vigia a conduta de sua casa e não come o pão da preguiça. Seus filhos a proclamam bem-aventurada.” Tudo isso se cumpre em Maria. Ela é forte na fé, sábia no silêncio, boa na caridade, vigilante na oração. Seus filhos somos nós, e a proclamamos bem-aventurada. O espírito de oração de Maria é a plenitude da feminilidade espiritual, onde todas as outras mulheres da Escritura encontram sua consumação.

Mas, caríssimos, antes de concluirmos este sermão, permiti-me que vos detenhais comigo em um versículo sagrado, cuja luz lança novos esplendores sobre o espírito de oração. Diz-nos São Lucas: “Todos eles perseveravam unânimes na oração, com as mulheres, com Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos dele.” “Todos eles perseveravam, unânimes.” Que palavra celestial! Proskartereontes, perseveravam assiduamente. Este termo grego usado por São Lucas é um dos mais densos do vocabulário espiritual do Novo Testamento. Trata-se de um particípio do verbo proskartereo, que significa mais do que simplesmente perseverar. Implica uma fidelidade ardente, tenaz, ativa, insistente, um apego contínuo, intenso, como do amante que espera sem esmorecer, como da lâmpada que não cessa de brilhar durante a noite. Proskartereontes não é a perseverança do hábito morto, mas a chama viva. É constância viva, não rotina enfadonha. É a oração que insiste, que habita, que não abandona.

Ora, Maria está no meio deles, e se o Espírito Santo virá sobre todos, é porque ela, a Mulher Orante, está ali como o coração da Igreja, pulsando de oração, ensinando-a a esperar e orar. Na verdade, em todo o capítulo primeiro de Atos, vemos a gestação da Igreja. E quem preside essa gestação? A mesma que gestou o Verbo. Ela, que outrora esperou o Espírito em Nazaré, agora espera com os apóstolos. Ela, que foi templo de carne e do Espírito, agora é templo espiritual da Igreja orante. E a Igreja que vai nascer, nasce em oração com Maria. Proskartereontes, com Maria. Que imagem grandiosa! Ela já tinha concebido fisicamente o Cristo, agora concebe espiritualmente o Corpo Místico de Cristo, a Igreja. O mesmo Espírito que a fecundou em Nazaré virá agora fecundar o colégio apostólico. E entre essas duas descidas do Espírito — a Anunciação e o Pentecostes — está ela: a orante por excelência, a Mãe do Cenáculo, a mulher do silêncio orante, da espera fecunda, da intercessão que move os céus. Proskartereontes, perseveravam unanimemente. Era aquele o primeiro retiro da Igreja. E Maria, a primeira pregadora. E se perseveravam, é porque Maria os ensinava a fazê-lo. Se oravam, é porque ela, a Virgem da escuta, modelava suas almas como outrora modelou o seu próprio coração para o Verbo. Maria é, pois, a forma orante da Igreja. Como Eva foi tirada de Adão adormecido, a Igreja nasce do lado aberto de Cristo, e Maria a desperta na oração. E se hoje falta oração na Igreja, é porque perdemos o Cenáculo, perdemos Maria, perdemos o espírito de Proskarterésis, essa fidelidade incansável, ardente, silenciosa e constante, que faz descer o Espírito sobre os que esperam como se já tivessem recebido.

E nós, caríssimos irmãos, o que aprendemos da Virgem Santíssima? O que imitaremos da sua oração? Não é ela que nos ensina a orar no Cenáculo? Não é ela que, de pé, junto à cruz, ora com o coração trespassado? Não é ela que aparece no Apocalipse como a mulher vestida de sol, combatendo em oração com o dragão? O espírito de oração de Maria é o modelo da Igreja. A liturgia é Maria em oração. O Ofício Divino é Maria a cantar. O silêncio da adoração é Maria a contemplar. A súplica dos fiéis é Maria a interceder. Cada Ave-Maria bem rezada é como uma gota do seu Magnificat. Cada rosário é uma harpa tocada pelas suas mãos. Cada oração bem feita, em Maria — sua escola, seu altar, sua lâmpada acesa.

Ó Senhora do Cenáculo, ó Virgem do Magnificat, ó Mãe do Verbo e filha da Palavra, ó clemente, ó piedosa, ó doce… ensina-nos a orar, ensina-nos a escutar, ensina-nos a calar. Faze-nos compreender que a oração não é apenas pedir, mas acolher; não é só falar, mas adorar; não é somente clamar, mas amar. Dá-nos, ó Mãe, o teu espírito de oração. Que sejamos também nós como terra boa, que guarda e frutifica. Que sejamos como templos vivos, como arcas da graça, como tabernáculos da presença. E que, como vós, possamos dizer com toda a alma: “A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador.”

Amém. 

 

Homilia do Padre José Eduardo no nono dia do solene novenário de Nossa Senhora do Carmo de 2025.

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