Vivemos em uma era de pressa, ruído e dispersão. No entanto, em meio à velocidade das redes e à solidão das multidões, ressoa um convite silencioso, porém urgente: o chamado à santidade.
Na Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate, do Papa Francisco, o Santo Padre apresenta um mapa espiritual para quem busca viver a fé no mundo moderno — sem fuga da realidade, mas com coragem, alegria e profundidade.
O Papa não fala de uma santidade distante ou reservada aos conventos. Ele fala de uma santidade vivida no cotidiano, onde suportar, sorrir, servir e rezar tornam-se atos revolucionários.
Nas palavras do próprio Francisco (n. 111):
“Estas caraterísticas […] são cinco grandes manifestações do amor a Deus e ao próximo, particularmente importantes devido a alguns riscos e limites da cultura de hoje.”
A seguir, exploramos essas dimensões — pilares de uma vida autêntica e luminosa no século XXI.
1. A força suave: suportação, paciência e mansidão
Em um mundo marcado pela impaciência e pela agressividade digital, o Papa recorda a necessidade de firmeza interior.
“Permanecer centrado, firme em Deus que ama e sustenta. […] É possível aguentar as contrariedades, as vicissitudes da vida e também as agressões dos outros.” (n. 112)
Ser paciente não é passividade. É resistência espiritual. É a paz que nasce da confiança, aquela que “ultrapassa toda a inteligência” (Fl 4,6).
Francisco adverte contra as “redes de violência verbal” que até mesmo católicos alimentam nas mídias sociais. Ele lembra:
“Mesmo nos media católicos […] tolera-se a difamação e a calúnia […] procurando compensar as próprias insatisfações descarregando furiosamente os desejos de vingança.” (n. 115)
A mansidão é o antídoto. O santo, ensina o Papa, “não gasta as suas energias a lamentar-se dos erros alheios” (n. 116).
Humildade, portanto, não é fraqueza — é força disciplinada. “A humildade só se pode enraizar no coração através das humilhações” (n. 118).
2. Alegria e sentido de humor: a santidade que sorri
O cristão autêntico não é sombrio. O Papa afirma sem hesitar:
“O santo é capaz de viver com alegria e sentido de humor. […] Ser cristão é ‘alegria no Espírito Santo’.” (n. 122)
A alegria de que fala Francisco não é passageira, nem fruto do consumo. É uma alegria sobrenatural, nascida da certeza de ser amado por Deus — mesmo nas cruzes diárias.
“Nada pode destruir a alegria sobrenatural, que sempre permanece como um feixe de luz que nasce da certeza pessoal de sermos infinitamente amados.” (n. 125)
Francisco também recupera o valor do humor espiritual, tão presente em santos como São Filipe Néri e São Tomás More.
A verdadeira santidade é leve, espontânea, cheia de gratidão e capaz de rir de si mesma.
“O mau humor não é sinal de santidade: ‘lança fora do teu coração a tristeza’.” (n. 126)
3. Ousadia e ardor: a santidade em movimento
Santidade é coragem. É ir além do conforto.
“A santidade é parresia: é ousadia, é impulso evangelizador que deixa uma marca neste mundo.” (n. 129)
Francisco denuncia a falta de ardor na evangelização, “uma carência grave porque provém de dentro” (n. 130).
Ele desafia o medo e o cálculo: “O que fica fechado acaba cheirando a mofo” (n. 133).
O Santo Padre recorda que Deus é sempre novidade, e que a missão cristã é dinâmica:
“Deus não tem medo! […] Se ousarmos ir às periferias, lá O encontraremos: Ele já estará lá.” (n. 135)
Santidade, portanto, é caminhar. É sair de si mesmo — não para conquistar, mas para servir.
4. Santidade em comunidade: o caminho a dois
Contra o individualismo contemporâneo, Francisco enfatiza:
“A santificação é um caminho comunitário, que se deve fazer dois a dois.” (n. 141)
A Igreja canonizou comunidades inteiras, recorda ele: dos mártires japoneses aos trapistas de Tibhirine.
A vida fraterna, mesmo com suas tensões, é escola de santidade.
“Viver e trabalhar com outros é um caminho de crescimento espiritual.” (n. 141)
O Papa descreve a beleza dos “pequenos detalhes” do amor: preparar o fogo, cuidar do outro, dividir o pão.
“A comunidade, que guarda os pequenos detalhes do amor […] é lugar da presença do Ressuscitado.” (n. 145)
5. Em oração constante: a fonte da vida interior
Sem oração, não há santidade. Francisco é categórico:
“Não acredito na santidade sem oração.” (n. 147)
A oração, porém, não é fuga, mas abertura à transcendência no meio da vida comum.
“Quando comes, bebes, conversas com outros, ou em qualquer outra coisa que faças, sempre deseja a Deus e prende a Ele o teu coração.” (n. 148)
Ele retoma a lição de Santa Teresa d’Ávila:
“A oração é uma relação íntima de amizade, permanecendo muitas vezes a sós com Quem sabemos que nos ama.” (n. 149)
No silêncio, o discípulo escuta, discerne e aprende. É nesse diálogo interior que a vida se transforma.
“Se não escutarmos, todas as nossas palavras serão apenas rumores que não servem para nada.” (n. 150)
A santidade possível — aqui e agora
A Gaudete et Exsultate é um convite a viver de modo extraordinário o ordinário.
Santidade, como mostra o Papa Francisco, é suportar com mansidão, alegrar-se sem perder o realismo, ousar sem medo, amar em comunidade e rezar com constância.
Em um tempo fragmentado, esta é a mais profunda das revoluções: a de um coração pacificado, alegre, corajoso e orante — um coração santo.