“Celebrar os anjos não é somente honrá-los senão glorificar a Deus e coisa de muito proveito para nós. Porque, como diz São Boaventura, “Desperta juntamente em nós o amor aos próprios anjos, louvores a Deus e agradecimento não somente aos espíritos celestiais, de cuja custódia recebemos inumeráveis benefícios, senão ao próprio criador deles; pois criou tão excelentes substâncias e nobilíssimas naturezas e as ocupou em nosso proveito e ajuda“. Assim o padre Juan Eusebio Nieremberg, da Ordem da Companhia de Jesus (Jesuítas) e ordenado sacerdote em 1623, abre seu livro sobre a Devoção a São Miguel arcanjo.

A devoção a São Miguel Arcanjo remonta ao Antigo testamento e foi adotada de forma muito devota por uma enormidade de fiéis, doutores e Santos da Igreja Católica.
Particularmente, a quaresma dedicada a São Miguel Arcanjo vem tomando importante posição na preferência popular nas práticas orantes semelhantes (como as novenas e trintenas) graças ao seu poder e, importante pontuar, à divulgação dada a ela por várias ordens religiosas que, no ímpeto de resgatar a tradicionalidade da boa-fé, orante, piedosa e eficaz.
O que você encontrará neste artigo:
- São Miguel Arcanjo, o Anjo do Senhor.
- A Quaresma, o que é?
- São Francisco de Assis, criador da Quaresma a São Miguel.
- Como é a Quaresma de São Miguel Arcanjo?
- A eficácia da Quaresma de São Miguel.
São Miguel Arcanjo, o anjo do Senhor.
São Miguel já era exaltado pelo povo Hebreu como o príncipe dos anjos, o chefe supremo do exército celeste que se coloca ao lado dos fracos e dos perseguidos, aquele a quem fora atribuída a missão de ser o protetor dos Judeus e que simboliza a assistência divina para com o povo de Israel.
No Antigo Testamento, encontramos relatos das aparições e mensagens de São Miguel Arcanjo, porém no livro do profeta Daniel o testemunho é impressionante (tomei a liberdade de transcrever todos os versículos):
13.“O chefe do reino persa resistiu-me durante vinte e um dias; porém, Miguel, um dos principais chefes, veio em meu socorro. Permaneci assim ao lado dos reis da Pérsia*.” “14. Aqui estou para fazer-te compreender o que deve acontecer a teu povo nos últimos dias; pois essa visão diz respeito a tempos longínquos.15. Enquanto assim me falava, eu mantinha meus olhos fixos no chão e permanecia mudo. 16. De repente, um ser de forma humana tocou-me nos lábios. Abri a boca e falei; disse ao personagem que estava perto de mim: “Meu senhor, essa visão transtornou-me, e estou sem forças. 17. Como poderia o servo de meu senhor conversar com seu senhor, quando está sem forças e sem fôlego?”. 18. Então, o ser em forma humana tocou-me novamente e me reanimou. 19. “Não temas nada, homem de predileção! Que a paz esteja contigo! Coragem, coragem!” Enquanto ele me falava, senti-me reanimado. “Fala, meu senhor” – disse -, “pois tu me restituíste as minhas forças.” 20. “Sabes bem” – prosseguiu ele – “por que vim a ti? Vou voltar agora para lutar contra o chefe da Pérsia, e no momento em que eu partir virá o chefe* de Javã. 21. Mas (antes), te farei conhecer o que está escrito no livro da verdade. 22. Contra esses adversários não há ninguém que me defenda a não ser Miguel, vosso chefe.” (Dn 10,13-22)
1.”Naquele tempo, surgirá Miguel, o grande chefe, o protetor dos filhos do seu povo. Será uma época de tal desolação, como jamais houve igual desde que as nações existem até aquele momento. Então, entre os filhos de teu povo, serão salvos todos aqueles que se acharem inscritos no livro. * ” (Dn 12,1).
(*) O chefe: trata-se de um anjo que vela sobre a Pérsia (cada reino tem o seu) e contra o qual Miguel, protetor dos judeus, terá de combater no mundo invisível”.
A Quaresma, o que é?
A palavra “quaresma” tem sua origem no latim: “quadragesima dies“(quadragésimo dia) e diz respeito aos 40 dias situados entre a Quarta-Feira de Cinzas e o Domingo de Ramos, onde se dá o início da semana santa.
A quaresma, como tradição, é uma devoção da Igreja em que, durante quarenta dias, são feitas orações, oferecimentos e Penitências dedicadas a uma causa ou a um Santo. A Quaresma é especialmente associada aos 40 dias que Jesus Cristo foi tentado no deserto, porém a história da Igreja de Cristo, narrada na Bíblia, nos remete a muitas passagens onde o número quarenta nos é dado como sinal da preparação para algo maior.
- Deus fez chover 40 dias e 40 noites nos tempos de Noé (Gênesis 7,4);
- Moisés passou 40 dias de jejum no Monte Sinai, a sós com Deus (Êxodo 24,18);
- O povo de Israel passou 40 anos em êxodo pelo deserto rumo à Terra Prometida (Números 14,33);
- Elias passou 40 dias e 40 noites caminhando até o Monte Horeb (1 Reis 19,8);
- Israel viveu 40 anos de paz sob os juízes (Juízes 3,11);
- Duraram 40 anos os reinados de Saul (Atos 13,21), Davi (II Samuel 5,4-5) e Salomão (I Reis 11,42), os três primeiros reis de Israel;
- Jonas profetizou 40 dias de julgamento para que Nínive se arrependesse (Jonas 3,4);
- Jesus foi levado por Maria e José ao templo 40 dias após Seu nascimento (Lucas 2,22);
- Jesus jejuou durante 40 dias no deserto, onde foi tentado pelo demônio (Mateus 4,1-2; Marcos 1,12-13; Lucas 4,1-2);
- Durante 40 dias, após sua ressureição, Jesus orienta os discípulos antes de subir aos Céus e enviar o Espírito Santo (Atos 1,1-3).
São Francisco de Assis, criador da Quaresma a São Miguel.
São Francisco de Assis nasceu em 1182, na cidade de Assis e, após 44 anos de vida, grande parte dela devota a Santíssima Trindade, a Maria e aos anjos, sobe aos céus em odor de santidade, deixando como legado o exemplo de amor ao homem por sua piedosa conduta, intrépida luta pelos desfavorecidos e de sua completa e humilde alegria.
“A sua simplicidade, a sua fé, o seu amor por Cristo e a sua bondade por cada homem, o fizeram feliz em toda situação. Olhando para ele, compreendemos que é este o segredo da verdadeira felicidade: tornarmo-nos santos!” (Bento XVI)
Narrado por São Boaventura em sua obra da Legenda Maior, a biografia de São Francisco nos relata seu amor pelos anjos:
“…um vínculo de amor indissolúvel unia-o aos anjos cujo maravilhoso ardor o punha em êxtase diante de Deus e inflamava as almas dos eleitos“
São Francisco depositava especial confiança em São Miguel Arcanjo pois àquele arcanjo, cujas palavras atingiram na forma de uma espada a Satanás: “Quis Ut Deus”, Deus conferiu a missão de introduzir as almas no paraíso. Por este motivo São Francisco lhe tinha particular apreço pois tinha o desejo de salvar a todos os homens assim como se aprofundara nos estudos quanto a autoridade e o auxílio que o Arcanjo Miguel tem em prol das almas, em socorrê-las no último instante das suas vidas assim como também o poder de ir ao purgatório para de lá as retirar.
Tão eminente devoção faz com que, no ano de 1224, entre 15 de agosto e 29 de setembro, São Francisco de Assis dirija-se ao Monte Alverne acompanhado do Frei Leão e de Frei Rufino para dedicarem-se a fazer uma quaresma de oração e jejum em honra de São Miguel. Na proximidade de 14 de setembro, festa da Exaltação da Santa Cruz, Francisco tem a visão de cristo inicialmente na forma de um Serafim com seis asas e Crucificado e recebe os estigmas de Cristo. Nesta época ele entoa, como um hino, as palavras:
“Para honra de Deus, da bem-aventurada Virgem Maria e de São Miguel, Príncipe dos Anjos e das almas, quero fazer aqui uma quaresma“.
Desde aquele momento então, por tamanha devoção, Francisco passou a promover três quaresmas no ano, além de outro período de jejum e oração em honra da Santíssima Virgem Maria, que se iniciava na festa de São Pedro e São Paulo Apóstolos até a festa da Assunção de Nossa Senhora. Foi de um modo muito especial que, na Quaresma de São Miguel Arcanjo, Deus coroou Francisco de graças abundantes. Uma destas graças foi a de marcar em seu corpo os sinais da paixão de seu filho querido, nosso Senhor Jesus Cristo, para que Francisco pudesse imitar o Salvador de forma ímpar e extrema.
Também se diz que, São Francisco de Assis em sua espiritualidade piedosa, entendia que o tempo entre o Advento e a Quaresma era extenso portanto, em honra a São Miguel Arcanjo, decidiu que deveria ser praticado um especial período de penitência e jejum. Assim, essa nova prática durante os quarenta dias do período tornou-se conhecida pelos fiéis como uma grande devoção apesar da Santa Igreja não a inserir no seu calendário litúrgico oficial.
Outra biografia de São Francisco, atribuída a um anônimo apresentado como Parusino conta que o fundador da ordem dos Frades menores, após a aprovação da Regra da ordem pelo Papa, como contava ainda com poucos irmãos, ordenou que houvesse capítulo duas vezes por ano: em Pentecostes e na festa de São Miguel, no mês de setembro, dada a importância que este Santo representa para a ordem.
Como é a Quaresma de São Miguel Arcanjo?
A quaresma de São Miguel é composta por um conjunto de atitudes concretas, que devem ser feitas diariamente no período de 15 de agosto (festa da Assunção de Nossa Senhora) a 29 de setembro (festa de São Miguel Arcanjo).
- Ter uma estampa De São Miguel;
- Acender uma Vela abençoada;
- Oferecer penitências e abstinências (o jejum por exemplo);
- Sempre iniciar e concluir com o sinal da cruz;
- Rezar a oração inicial (Pequeno Exorcismo do Papa Leão XIII);
- Rezar a Ladainha de São Miguel Arcanjo;
- Fazer as saudações;
- Rezar um Pai Nosso em honra de São Miguel;
- Rezar um Pai Nosso em honra de São Gabriel;
- Rezar um Pai Nosso em honra de São Rafael;
- Rezar um Pai Nosso em honra ao nosso Anjo da Guarda;
- Antífona;
- Oremus;
- Consagração a São Miguel;
Neste período deve-se Confessar e Ir à Santa Missa, pelo menos uma vez.
A eficácia da Quaresma de São Miguel
A prática da quaresma, quando bem realizada (piedosamente e devotamente), leva o fiel a uma explosão de espiritualidade que renova as suas forças para estar preparado contra as inflamadas setas de satanás. São Francisco nos mostrava que aquela devoção era tão singular quer merecia especial atenção na vida da ordem Franciscana a ponto de, por sua iniciativa piedosa e fiel, criar um evento tão sublime de devoção a ponto de se tornar praticado em sua ordem como também por inúmeros fiéis ao longo do tempo e pelo mundo todo.
A presença de Satanás é forte em nossos dias, podemos ver isto nos veículos de comunicação, nas esferas políticas, nas escolas, nas discussões ideológicas inclusive na própria Igreja. Assim, estar preparado contra estas investidas desveladas do senhor das trevas, cujo objetivo é a extinção do ser humano e da sociedade Judaico-cristã que valoriza a família, tem de ser obrigação do Católico.
O Pe. Paulo Ricardo de Azevedo, nosso grande teólogo e exegeta, nos conta que:
“O segredo da Quaresma de S. Miguel é, por conseguinte, a humildade; não é à toa que ela se inicia com a assunção de Nossa Senhora e se encerra com a festa de S. Miguel, as duas criaturas que, na ordem da graça, deram um grande testemunho de humildade diante de Deus. De um lado, temos a Virgem Maria, cujo coração, obviamente, só não foi mais humilde que o de Nosso Senhor Jesus Cristo, e do outro, o anjo que, mesmo não sendo o maior do coro angélico, derrotou Lúcifer, dizendo: Mîkhā’ēl, que quer dizer “Quem como Deus?”
Nesta linha, ainda completa:
“Maria e Miguel mostram que o caminho da perfeição deve ser trilhado pela via da humildade, de modo que o homem precisa abaixar sua cabeça diante da vontade de Deus, aceitando os próprios limites, a fim de não se tornar “um povo de dura cerviz”, como narra a Escritura. Ambos venceram o dragão pelo sangue do Cordeiro porque se dispuseram a cumprir tudo o que Ele lhes dissera. Do mesmo modo, nós precisamos recorrer ao auxílio divino, à intercessão dos anjos, de Nossa Senhora e do sangue do Cordeiro, caso queiramos vencer a batalha contra o diabo.”
A eficácia da quaresma deste Santo protetor da raça humana tem polos importantes de apoio ao fiel devoto, como cita o Pe. Paulo Ricardo: a Santíssima Virgem Maria e o próprio São Miguel, ambos portadores das virtudes sagradas tais quais a humildade, a obediência, a confiança em Deus e o protagonismo na defesa da fé autêntica e pura, virtudes que levam Satanás ao ódio irremediável, este mesmo sentimento que o levou a rebelar-se contra o altíssimo, que o condenou a cair dos céus como punição. Para sermos perfeitos e estarmos preparados contra as seduções satânicas, nada mais justo que imitar a Maria e nos consagrarmos ao príncipe das milícias celestes em sua quaresma.
Imitar a Maria em suas virtudes, como nos diz São Luís Maria de Grignion Monfort em sua obra “O Segredo de Maria” é: “é imitar o próprio Deus Pai, que não nos deu seu Filho senão por Maria, e que não nos comunica suas graças senão por Maria.”
Por fim, quando nos aprofundamos na devoção a Maria e a São Miguel e recorremos a Sagrada Escritura, o poder desta união de amor e de graça fica evidente no livro do Apocalipse em seu capítulo 12 em que o apóstolo faz uma descrição perfeita da Quaresma de São Miguel, apresentando, em primeiro lugar, a “Mulher vestida de Sol” e, por último, a vitória de São Miguel contra o dragão, o ser infernal caído e derrotado para sempre.
Que esta devoção seja entendida pelo leitor não como uma superstição, mas sim como um período de profunda oração, discernimento no espírito e penitência, tempo que se inicia com a subida de Maria aos céus, para estar com seu filho e de lá nos proteger e culminando com a dedicação a São Miguel Arcanjo, fiel servidor da vontade de Deus.
“Quis Ut Deus”!
Deo Gratias!