A descida do Senhor à mansão dos Mortos

Redação VOTC

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No sábado Santo, em continuação da Semana Santa, observamos algo que nos causa temor, curiosidade ou, solidão. Trata-se do silêncio.

Sim, o silêncio de Cristo após a sua morte até sua gloriosa ressurreição. Este silêncio, proposital e que deve nos fazer meditar sobre aqueles momentos tensos que vivemos nos últimos dias em preparação e consolidação da morte na cruz, interrompe o sofrimento.

A sensação de vazio nos corações dos fiéis deveria se assemelhar àquela que os Apóstolos vivenciaram na morte do mestre. “Onde Cristo está?”, “O que aconteceu com ele”, “Ele morreu!!??”, “O que faremos?”, “morreremos como ele ?!”. Certamente estes pensamentos dominaram as mentes daqueles que andaram, comeram, participaram de seus milagres, ouviram suas palavras, enfim, viveram com ele.

Cristo dorme em seu sepulcro. Dorme?

A pedra está lá. Os guardas estão a postos, os apóstolos dispersos. Maria, a mãe do Salvador, se mantem crente e firme nas palavras do filho de Deus e cercada das mulheres santas, tristes, porém crentes.

O que acontece?

Vejamos a seguir um pouco mais sobre este tema tão impressionante.

O que você encontrará neste artigo:

  • A Cultura Judaica
  • O Credo Apostólico
  • A homilia do Sábado Santo (Liturgia das Horas)
  • Por fim…


Cultura Judaica

“O povo judeu, de certa forma, acreditava que os mortos iam para um lugar, a morada dos mortos, onde permaneciam isolados dos vivos, aguardando o dia da restauração do Paraíso perdido. Todos iam para um mesmo lugar, ali permaneciam e passavam algum tempo.
O Cristianismo, e sua reflexão teológica, mostra que Jesus redime com sua morte todos os seres humanos, inclusive os que viveram antes do mistério da encarnação. Ao mesmo tempo, a teologia católica prega o “agora” da redenção e nossa inserção em Cristo já no momento da cruz.” [1]


O silencio no Sábado Santo

O Papa Bento XVI, em uma meditação realizada em audiência Papal, nos fala sobre o silencio do Sábado Santo:

“O mistério terrível do Sábado Santo, seu abismo de silêncio, adquiriu então em nosso tempo uma realidade opressiva. De modo que isto é o Sábado Santo: o dia do ocultamento de Deus, o dia daquele paradoxo inaudito que nós exprimimos no Credo com as palavras “desceu à mansão dos mortos”, desceu para dentro do mistério da morte.

Na Sexta-feira Santa, ainda se podia olhar para o transpassado. O Sábado Santo está vazio, a pesada pedra do sepulcro novo encerra o defunto, tudo já passou, a fé parece estar definitivamente desmascarada como fanatismo. Nenhum Deus salvou esse Jesus que se arvorava em Filho dele. Todos podem ficar tranquilos: os prudentes, que inicialmente haviam titubeado um pouco em seu íntimo, na dúvida de que talvez tudo não fosse verdade, agora sabem que tinham razão.

Sábado Santo: dia do sepultamento de Deus; não é isso, de maneira impressionante, o nosso dia? O nosso século não começa a ser um grande Sábado Santo, dia da ausência de Deus, no qual até os discípulos têm um vazio congelante no coração, que aumenta cada vez mais, e por isso se preparam, cheios de vergonha e angústia, para voltar para casa, e se dirigem taciturnos e destroçados, em seu desespero, para Emaús, sem se dar conta em hipótese alguma de que aquele que acreditavam morto está entre eles?

A escuridão divina deste dia, deste século que se torna em medida cada vez maior um Sábado Santo, fala à nossa consciência. Nós também estamos implicados nela. Mas, apesar de tudo, ela tem em si algo de consolador. A morte de Deus em Jesus Cristo é ao mesmo tempo expressão de sua radical solidariedade conosco.

O mistério mais obscuro da fé é ao mesmo tempo o sinal mais claro de uma esperança que não tem limites. E mais uma coisa: só por meio da derrota da Sexta-feira Santa, só por meio do silêncio mortal do Sábado Santo, os discípulos puderam ser levados à compreensão do que Jesus era realmente, e do que a sua mensagem significava na realidade. Deus tinha de morrer para eles, para que pudesse realmente viver neles.

A imagem que haviam formado de Deus, na qual haviam tentado comprimi-lo, tinha de ser destruída para que eles, a partir das ruínas da casa derrubada, pudessem ver o céu, e o próprio Deus, que continua a ser sempre o infinitamente maior. Nós precisamos do silêncio de Deus para experimentar novamente o abismo da sua grandeza e o abismo do nosso nada, que viria a se escancarar se não fosse ele.

Desperta, não deixes que dure eternamente a escuridão do Sábado Santo, deixa cair um raio de Páscoa também sobre os nossos dias, acompanha-nos quando nos dirigimos desesperados para Emaús, para que o nosso coração possa acender-se ao nos aproximarmos de ti. Tu, que guiaste de maneira oculta os caminhos de Israel para seres finalmente homem com os homens, não nos deixes no escuro, não permitas que a tua palavra se perca no grande desperdício de palavras deste tempo. Senhor, dá-nos a tua ajuda, pois sem ti afundaremos.’”

O Credo Apostólico e o Catecismo nos iluminam.

O Credo Apostólico nos remete a realidade de fé: “[.] foi crucificado, morto e sepultado. Desceu à mansão dos mortos”. Isso significa que, de fato, Ele morreu e que, por sua morte por nós, venceu a morte e o diabo, o dominador da morte (Hb 2,14).


Cristo, que após sua morte desce à Mansão dos Mortos, vai ao encontro daqueles que esperavam, ansiosamente, a restauração de sua vida.


O Catecismo da Igreja Católica nos conta:

632. As frequentes afirmações do Novo Testamento segundo as quais Jesus “ressuscitou dentre os mortos” (1Cor 15,20) pressupõem, anteriormente à ressurreição, que este tenha ficado na Morada dos Mortos. Este é o sentido primeiro que a pregação apostólica deu à descida de Jesus aos Infernos: Jesus conheceu a morte como todos os seres humanos e com sua alma esteve com eles na Morada dos Mortos. Mas para lá foi como Salvador, proclamando a boa notícia aos espíritos que ali estavam aprisionados.

633. A morada dos mortos, a que Cristo morto desceu, é chamada pela Escritura os infernos, Sheol ou Hades (531), porque aqueles que aí se encontravam estavam privados da visão de Deus (532). Tal era o caso de todos os mortos, maus ou justos, enquanto esperavam o Redentor (533), o que não quer dizer que a sua sorte fosse idêntica, como Jesus mostra na parábola do pobre Lázaro, recebido no «seio de Abraão» (534). «Foram precisamente essas almas santas, que esperavam o seu libertador no seio de Abraão, que Jesus Cristo libertou quando desceu à mansão dos mortos» (535). Jesus não desceu à mansão dos mortos para de lá libertar os condenados (536), nem para abolir o inferno da condenação (537), mas para libertar os justos que O tinham precedido (538).

634. «A Boa-Nova foi igualmente anunciada aos mortos…» (1 Pe 4, 6). A descida à mansão dos mortos é o cumprimento, até à plenitude, do anúncio evangélico da salvação. É a última fase da missão messiânica de Jesus, fase condensada no tempo, mas imensamente vasta no seu significado real de extensão da obra redentora a todos os homens de todos os tempos e de todos os lugares, porque todos aqueles que se salvaram se tornaram participantes da redenção.

635. Cristo, portanto, desceu aos abismos da morte (539), para que «os mortos ouvissem a voz do Filho do Homem e os que a ouvissem, vivessem» (Jo 5, 25). Jesus, «o Príncipe da Vida» (540), «pela sua morte, reduziu à impotência aquele que tem o poder da morte, isto é, o Diabo, e libertou quantos, por meio da morte, se encontravam sujeitos à servidão durante a vida inteira» (Heb 2, 14-15). Desde agora, Cristo ressuscitado «detém as chaves da morte e do Hades» (Ap 1, 18) e «ao nome de Jesus todos se ajoelhem, no céu, na terra e nos abismos» (Fl 2, 10).

«Um grande silêncio reina hoje sobre a terra; um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio, porque o rei dorme. A terra estremeceu e ficou silenciosa, porque Deus adormeceu segundo a carne e despertou os que dormiam há séculos […]. Vai à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Quer visitar os que jazem nas trevas e nas sombras da morte. Vai libertar Adão do cativeiro da morte. Ele que é ao mesmo tempo seu Deus e seu filho […] “Eu sou o teu Deus, que por ti me fiz teu filho […] Desperta tu que dormes, porque Eu não te criei para que permaneças cativo no reino dos mortos: levanta-te de entre os mortos; Eu sou a vida dos mortos”».

O Que está acontecendo hoje? – A homilia do Sábado Santo (Liturgia das Horas)

Há na História, uma homilia proclamada no Sábado Santo por autor Grego (desconhecido), que data do Século IV onde belamente relata a descida do senhor a mansão dos Mortos. Ela se encontra na segunda leitura da Liturgia das horas;

Abaixo, a reproduzimos na íntegra, com a beleza que ela exprime:

“Que está acontecendo hoje? Um grande silêncio reina sobre a terra. Um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio porque o Rei está dormindo; a terra estremeceu e ficou silenciosa, porque o Deus feito homem adormeceu e acordou os que dormiam há séculos. Deus morreu na carne e despertou a mansão dos mortos.

Ele vai, antes de tudo, à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Faz questão de visitar os que estão mergulhados nas trevas e na sombra da morte. Deus e seu Filho vão ao encontro de Adão e Eva cativos, e agora libertos dos sofrimentos.

O Senhor entrou onde eles estavam, levando em suas mãos a arma da cruz vitoriosa. Quando Adão, nosso primeiro pai, o viu, exclamou para todos os demais, batendo no peito e cheio de admiração: “O meu Senhor, está no meio de nós”. E Cristo respondeu a Adão: “E com teu espírito”. E tomando-o pela mão, disse: “Acorda, tu que dormes, levanta dentre os mortos, e Cristo te iluminará. Eu sou o teu Deus, que por tua causa me tornei teu filho; por ti e por aqueles que nasceram de ti, agora digo, e com todo o meu poder, ordeno aos que estavam na prisão: “Saí!”; e aos que jaziam nas trevas: “Vinde para a luz!”; e aos entorpecidos: “Levantai-vos!”

Eu te ordeno: Acorda, tu que dormes, porque não te criei para permaneceres na mansão dos mortos. Levanta-te, obra de minhas mãos; eu sou a vida dos mortos. Levanta-te, obra das minhas mãos; levanta-te, ó minha imagem, tu que foste criado à minha semelhança. Levanta-te, saiamos daqui; tu em mim e eu em ti, somos uma só e indivisível pessoa.

Por ti, eu, o teu Deus, me tornei teu filho; por ti, eu, o Senhor, tomei tua condição de escravo. Por ti, eu, que habito no mais alto dos céus, desci à terra, e fui mesmo sepultado abaixo da terra; por ti, feito homem, tornei-me como alguém sem apoio, abandonado entre os mortos. Por ti, que deixaste o jardim do paraíso, ao sair de um jardim fui entregue aos judeus e num jardim, crucificado.

Vê em meu rosto os escarros que por ti recebi; para restituir-te o sopro da vida original. Vê nas minhas faces as bofetadas que levei para restaurar, conforme à minha imagem, a tua beleza corrompida. Vê em minhas costas as marcas dos açoites que suportei por ti para retirar dos teus ombros os pesos dos pecados. Vê minhas mãos fortemente pregadas à árvore da cruz, por causa de ti, como outrora estendeste levianamente tuas mãos para a árvore do paraíso. Adormeci na cruz e por tua causa a lança penetrou no meu lado, como Eva surgiu do teu, ao adormeceres no paraíso. Meu lado curou a dor do teu lado. Meu sono vai arrancar-te do sono da morte. Minha lança deteve a lança que estava voltada contra ti.

Levanta-te, vamos daqui. O inimigo te expulsou da terra do paraíso; eu, porém, já não te coloco no paraíso, mas num trono celeste. O inimigo afastou de ti a árvore, símbolo da vida; eu, porém, que sou a vida, estou agora junto de ti. Constituí anjos que, como servos, te guardassem; ordeno agora que eles te adorem como Deus, embora não sejas Deus. Está preparado o trono dos querubins, prontos e a postos os mensageiros, constituído o leito nupcial, preparado o banquete, as mansões e os tabernáculos eternos adornados, abertos os tesouros de todos os bens e o reino dos céus preparado para ti desde toda a eternidade.” [De uma antiga Homilia no grande Sábado Santo, (PG43,439.451.462-463 – Séc. IV]

Por fim…

A fim de compreender os dias de ausência de Jesus, no silêncio de sua morte, e, ao mesmo tempo, entender o resgate dos que morreram antes do evento da Cruz, conclui-se que Jesus, nos dias de sua morte física, misteriosamente resgatou também os que antes dele haviam morrido, ou seja, na morte, ele desce até a mansão dos mortos, ao lugar da estadia dos que morreram e os resgata, para que também eles vislumbrem a grandiosidade da Ressurreição.

Christus Vincit, Christus Regnat; Christus, Christus Imperat!

Fontes:
Liturgia das horas, Sábado Santo – Ofício das Leituras. 2ª leitura.
https://comboni2000.org/2023/04/04/a-angustia-de-uma-ausencia-tres-meditacoes-sobre-o-sabado-santo/

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