A Igreja, em sua Santa Sabedoria como corpo místico de Cristo, nos mostra sua grandeza por diversos meios. Uma de suas mais características bases é a Santa tradição, um dos três pilares que a sustentam, em conjunto ao Magistério e a palavra de Deus. Até aqui, não há novidade ou fato que salte aos olhos, mas o que sabemos ainda é muito pouco comparado àquilo que a Igreja nos oferece de conhecimento.
Estamos chegando a uma época singular na Igreja: Já no anúncio da proximidade da Páscoa do Senhor: a Paixão de Cristo. Esta época nos recorda aquelas palavras de Cristo em Lucas 22:15: “[…] “Tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa, antes de sofrer.”
Um desejo aberto, ardente, vivo e impulsionador. Mas os dias que antecedem a esta Páscoa, serão dias de luta, sofrimento e paixão. Prefigurada nos profetas (Isaias 53, por exemplo) e pelas próprias palavras do Messias, novamente registradas pela pena de Lucas 9:22: “Ele acrescentou: “É necessário que o Filho do Homem padeça muitas coisas, seja rejeitado pelos anciãos, pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas. É necessário que seja levado à morte e que ressuscite ao terceiro dia”.
Estas semanas que antecedem a Pascoa de Cristo ou melhor, a Santa Quaresma, são retratadas no calendário litúrgico tradicional como as semanas da Septuagésima, Sexagésima e da Quinquagésima.

Saibamos mais sobre este período tão importante…e muitas vezes tão negligenciado.
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O que você encontrará neste artigo:
- O Calendário Litúrgico – a preparação
- A Septuagésima
- A Sexagésima
- A Quinquagésima
- O que Deus quer de mim neste tempo tão santo?
O Calendário Litúrgico – a preparação
Se vou fazer uma viagem ou se participar de algum evento importante ou em uma ocasião na qual não posso titubear, pois tenho de me preparar. A preparação é ponto de atenção para que eu possa viver aquele momento que planejei. A mesma necessidade de preparação deve o Católico ter em mente para a chegada da Quaresma. Afinal, estamos falando do expoente da vida de Cristo, de suas promessas.
A Igreja nos oferece esta preparação, nos convidando a participar, nas semanas que antecedem a Páscoa do Senhor (aqui entenda-se como o holocausto do cordeiro de Deus) de momentos de reflexão, oração e contrição. Damos os nomes de “domingos da Septuagésima, Sexagésima e Quinquagésima” a este período, os quais detalharemos em seguida.
A festa da Páscoa deve ser preparada por quarenta dias em que se prioriza a oração, meditação, caridade e penitência. Durante este período, cabe ao fiel buscar a sua conversão.
Com a reforma do Calendário litúrgico efetuada nos idos de 1967, deixou-se de serem oficiais estas datas. Porém algumas Igrejas que seguem o calendário Romano tradicional ainda mantem viva esta santa devoção.
A Septuagésima
O domingo da Septuagésima é o terceiro domingo que antecede a Quaresma. Tradicionalmente, este domingo marcava o início dos preparativos para a Quaresma. Não há uma grande gama de escritos sobre a origem deste importante período pré-quaresmal. Usualmente, as reflexões litúrgicas agrupavam-se com a Quaresma, com passageiras referências à Septuagesima.
Literalmente, Septuagesima significa “septuagésimo” (próprio de “setenta”) em latim, porém não se trata de 70 dias antes da Páscoa, mas apenas 63. A provável explicação é que os Domingos da Septuagesima e da Sexagesima derivaram seus nomes do Domingo da Quinquagesima, que ocorre 49 dias antes da Páscoa, ou 50 se incluir a Páscoa.
“Neste domingo que era, outrora, o primeiro dia da quaresma, reunia-se a estação na Basílica de S. João de Latrão, dedicada ao Santo Salvador” (Missal Romano quotidiano – 1º Domingo da Quaresma)
Nos diz o Missal Romano quotidiano:
“O Tempo da Septuagésima, que abre o ciclo pascal entra já no objeto da liturgia quaresmal e pascal: a passagem do estado de decadência e escravidão, devidas ao pecado, para urna restauração e libertação de que só Deus podia ser autor.
A liturgia própria deste tempo nos introduz nas profundezas da decadência humana. No primeiro domingo contemplamos o pecado original, com a queda de Adão; a seguir, o lamentável quadro das suas consequências funestas, evidenciadas na malícia dos homens e no castigo do dilúvio (Sexagésima). O gesto de Abraão, que se prepara para imolar o filho, é o prenúncio do sacrifício, que Deus exigirá a seu próprio Filho, para expiação das faltas cometidas pela humanidade (Quinquagésima).
Na missa, depois dum pungente, mas confiante apelo ao socorro divino, as epístolas de São Paulo são um instante convite à fidelidade e à luta, bem como à caridade, cujo elogio o Apóstolo tece admiravelmente. Vêm, então, os Evangelhos, repletos da grande esperança da salvação.
A parábola dos operários mostra que a Redenção se estende a todas as épocas; a do semeador, que ela atinge todo o homem, que se abre à palavra de Deus; a cura do cego de Jericó, que se segue ao anúncio da Paixão, proclama, já, a passagem das trevas à luz.
A Septuagésima é o prelúdio da Quaresma e é prenúncio da sua austeridade e carácter penitencial.”
Após o pontificado de São Gregório Magno, os últimos quatro dias da Quinquagésima adicionou-se à Quaresma para que o período de penitência atinja quarenta dias.
Muitas vezes, pensa-se que o próprio São Gregório pode ter escrito os formulários da missa, especialmente porque o conteúdo reflete muito do conflito e sofrimento durante esse tempo:
“A nota de tristeza na maioria dos textos dessas missas deu origem à teoria de que elas foram compostas em uma época em que a Itália, e Roma em particular, estavam mais uma vez expostas a invasões bárbaras e ameaçadas de infortúnios semelhantes a este que havia ocorrido. dominou-os no quinto século. O século VI, tempo da instituição da Septuagesima, foi também um período de pilhagem e devastação, pelo que temos um eco doloroso nas petições formuladas nessa época (A Liturgia do Ano, vol. 1, Fernand Cabrol, p. 101)”.
Segundo Dom Prosper Gueranger, em seu livro “O ano litúrgico”, este período que antecede ao santo período da Quaresma não era conhecido nos primeiros séculos do Cristianismo: sua instituição teria sido na Igreja Grega:
“A prática desta Igreja de nunca fazer jejum aos domingos, o número de dias de penitência na quaresma, em contrapartida aos seis domingos da Quaresma (nos quais por costume universal os fiéis não jejuam) e aos seis sábados, os quais os gregos não observavam como dias de jejum, fazia com que o período de Quaresma ficasse doze dias mais curto do que os quarenta dias de penitência que Nosso Senhor passou no deserto. Para corrigir a diferença, eles eram obrigados a iniciar a Quaresma dias antes.”
E prossegue:
“A Igreja Latina não tinha motivo para antecipar este tempo de penitências que pertence à Quaresma, uma vez que desde a antiguidade a Igreja mantinha os sábados da Quaresma como dias de penitência. Por fim do século VI, São Gregório Magno alude, em uma de suas homilias, ao fato de os dias de penitência da Quaresma serem menos de quarenta dias, por conta dos domingos dentro da Quaresma.
“Existem, desde este dia (o primeiro domingo da Quaresma) até à feliz festa da Páscoa, seis semanas, isto é, quarenta e dois dias. Como não jejuamos nos seis domingos, restam apenas trinta e seis dias de penitência.”
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A Sexagésima
O Domingo da Sexagesima é o segundo domingo antes do início da quaresma, o que o torna o oitavo domingo antes da Páscoa.
Tradicionalmente, este seria o segundo dos três domingos (entre a Septuagesima e a Quinquagesima) em preparação para a Quaresma. Sexagesima significa literalmente “sexagésima”, embora caia apenas 56 dias antes da Páscoa.
Em teoria, leva o nome do Domingo da Quinquagésima, que é 49 dias antes da Páscoa, ou 50 se incluirmos a Páscoa.
Nos diz, sobre o período da Sexagesima, o Missal Romano Quotidiano:
“As longas páginas da Bíblia, que sucessivamente se irão lendo em Matinas, anunciam o mistério pascal. Depois de Adão, Noé, o segundo pai do gênero humano, símbolo da renovação da humanidade: « Experimente e veja o mundo a restauração daquilo que jazia por terra, a renovação do que tinha envelhecido e o regresso de todas as coisas à integridade primeira, por obra daquele mesmo que lhes tinha dado a existência » (Sábado Santo, antigo ofício). É no seio da Igreja, figurada pela arca, que a salvação se realiza doravante; e já não somente oito pessoas nela se abrigam, mas a multidão daqueles que renasceram nas águas baptismais (epístola da Sexta-Feira de Páscoa). Como no domingo passado, os cânticos da missa acentuam o apelo a Deus pungente e confiante, brotando do mais fundo da nossa miséria.
A escolha da epístola deve-se certamente ao facto de a estação se celebrar em S. Paulo extramuros é uma das mais belas páginas do grande Apóstolo.”
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O Sermão da Sexagésima.
O Padre Antônio Vieira em seu célebre sermão sobre a Sexagésima faz uma crítica apurada sobre o caráter dos Cristãos em relação a sua hipocrisia pecadora e quanto a necessidade de conversão, em um período propício para isto:
“Semeadores do Evangelho eis aqui o que devemos pretender nos nossos sermões, não que os homens saiam contentes de nós, senão que saiam muito descontentes de si; não que lhes pareçam bem os nossos conceitos; mas que lhes pareçam mal os seus costumes, as suas vidas, os seus passatempos, as suas ambições, e enfim todos os seus pecados.
Contanto que se descontentem de si, descontentem-se embora de nós. “Si hominibus placerem, Christus servus non essem”, dizia o maior de todos os pregadores, São Paulo. “Se eu contentara aos homens, não seria servo de Deus”.
Oh contentemos a Deus, e acabemos de não fazer caso dos homens! Advirtamos, que nesta mesma Igreja há tribunas mais altas, que as que vemos: Spectaculum facti sumus Deo, Angelis et hominibus. Acima das tribunas dos Reis, estão as tribunas dos Anjos, está a tribuna, e o tribunal de Deus, que nos ouve, e nos há de julgar. Que conta há de dar a Deus um pregador no Dia do Juízo? O ouvinte dirá: Não mo disseram; mas o pregador? Vae mihi, quia tacui. Ai de mim, que não disse o que convinha! Não seja mais assim, por amor de Deus, e de nós.” [Pe Antônio Vieira – Sermão da Sexagésima.]
A Quinquagesima
O domingo da Quinquagésima é o último domingo antes do início da Quaresma, o domingo antes da Quarta-Feira de Cinzas, o que o torna o sétimo domingo antes da Páscoa. Tradicionalmente, este era o terceiro dos três domingos (após a Septuagesima e a Sexagesima) de preparação para a Quaresma.
Quinquagesima significa literalmente “quinquagésimo”. Falta 49 dias para a Páscoa, ou 50 se contarmos a própria Páscoa. Da mesma forma, diz-se que o Domingo de Pentecostes ocorre 50 dias após a Páscoa, mas o número é calculado incluindo o domingo da Páscoa.
Mais uma vez, trazemos aqui o que o Missal Romano nos diz:
“Uma nova era abre na história. Depois de Adão, pai do género humano » (Septuagésima); depois de Noé, pai das novas gerações (Sexagésima), surge hoje a figura magnífica de Abraão, pai de todos os crentes, que nos é apresentado nas lições de matinas.
Porque acreditou na realização das divinas promessas, é que Abraão é nosso pai na fé. E porque aceitou sacrificar Isaac, o filho da promessa D, sobre o qual repousava toda a sua esperança, é que Deus lhe multiplicou a posteridade como as estrelas do céu e as areias do mar 9. No dizer de S. Paulo, somos nós essa posteridade Cristo e nós ao mesmo tempo; e Isaac, destinado à imolação e arrancado depois à morte, é a figura de Jesus, morto e ressuscitado.
Eis que subimos para Jerusalém… Ao lado do anúncio da Paixão, o evangelho recorda-nos, na cura do cego de nascença, o dom da fé que liberta o homem da cegueira, das trevas do pecado. A epístola, hino entusiasta de S. Paulo à caridade, sublinha a transformação sobrenatural que a Redenção de Cristo deve operar nas almas”.
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O que Deus quer de mim neste tempo tão santo da Septuagésima, Sexagésima e Quinquagésima?
O texto nos propõe em diversos momentos, a reflexão quanto algo muito comum, porém de vital importância: “Preparação”.
As leituras da missa nos oferecem subsídios para interpretar as características deste tempo de forma a nos indicar caminhos para sedimentarmos a mensagem de Cristo, que está para sofrer enormemente por todos os pecadores, que ele salvará. Independentemente de credo, raça, origem, ele irá salvar.
A liturgia é rica; a paramentação, digníssima; a contrição e exame de consciência são devidamente necessários como passaporte para vivenciar “os espinhos na carne de Cristo”. Não há como, para se realmente entrar no tempo da paixão de forma digna, abster-se do jejum, oração e da penitência.
É tempo de lavar vigorosamente a taça da alma, suja pelos pecados que nos acometem, para deixar o sangue redentor de Cristo tingir suas paredes cristalinas.
A pergunta aqui é: “O que Deus quer de mim neste tempo? Conforta-me pensar que ele quer ardentemente que sejamos dignos de suas promessas, de seu amor, de sua paixão. Quer que sejamos fiéis servos para que, junto a Maria, abracemos seu corpo ferido pela devassidão humana, quando ele for tirado da Cruz e entregue aos seus.
Quer que, como os apóstolos que vivenciaram a luz de seu corpo glorioso no Tabor, sejamos também seus apóstolos para estarmos com ele no momento derradeiro da paixão. Mas também com olhos esperançosos em sua ressurreição vitoriosa, como Maria que se volta aos céus e o anjo, à porta do sepulcro diz: “Resurrexit sicut dixit”
Ad Maiorem Dei Gloriam
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