Como os carmelitas ajudaram a moldar o Brasil que conhecemos

Redação VOTC

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Os Carmelitas, uma das ordens religiosas mais antigas e influentes da Igreja Católica, deixaram marcas profundas na história do Brasil. Desde sua chegada no século XVI, trouxeram consigo a espiritualidade mariana, a dedicação missionária e um legado de fé que ecoa até hoje. 

Este artigo explora a história dos Carmelitas no Brasil, desde os primeiros passos na colonização até sua restauração no período republicano, destacando suas contribuições para a cultura, a evangelização e a sociedade brasileira. 

 

Chegada dos carmelitas ao Brasil

Aqui no Brasil, os Carmelitas aportaram nos primórdios da nossa colonização, trazidos pela nau de Frutuoso Viana, que partiu de Lisboa a 31 de janeiro de 1580, chegando a Santos no mês de abril; foram assim os primeiros religiosos a estabelecer-se no Brasil depois dos Jesuítas e dos Franciscanos.

 

Primeiros estabelecimentos em Santos

Segundo Leonardo Arroyo e diversos historiadores, primeiramente os Carmelitas se instalaram em Santos, onde foram recebidos cordialmente por Brás Cubas, que seria logo mais um autêntico protetor da Ordem. 

Eram quatro religiosos: frei Domingos Freire, frei Alberto de Santa Maria, frei Bernardo Pimentel e frei Antônio de São Paulo Pinheiro, os quais se estabeleceram na Capela de Nossa Senhora das Graças, fundada em 1562 por José Adorno e sua mulher Catarina Monteiro; estes fizeram doação dessa Capela e sua aos religiosos Carmelitas aos 24 de abril de 1589 e Brás Cubas doou-lhes terras para a fundação de um convento a manutenção, não apenas na Vila de Santos, mas também as terras da “Vila Sertão, partindo de um pinheiro na borda de Santo André”, conforme escritura pública de doação de 30 de maio de 1589, como escreveu Monsenhor Paulo Florêncio de Camargo. 

Nesse mesmo ano os Carmelitas fundaram a igreja e o convento do Carmo de Santos no local onde hoje se encontram na Praça Barão do Rio Branco; antes porém, já se haviam dirigido para o nordeste do Brasil, fundando em 1584 convento e igreja de Olinda, e, em 1586, convento e igreja de Salvador.

 

Expansão para São Paulo

O crescimento do povoado de Piratininga, escreve Machado de Oliveira, e esse estado de obediência moderada, em que pelos jesuítas foram postos os índios, inspiraram nos Carmelitas de Santos o pensamento de fundar um convento de sua ordem na povoação que começava em “Cima da Serra”.

Em 1590 os Carmelitas galgaram o Planalto de Piratininga, instalando-se na baixada do Tamanduateí. Nesse tempo a Vila de São Paulo era cercada por um muro de taipas que abrangia mais ou menos o atual triângulo da cidade; salienta uma ata quinhentista que o “Carmo” ficava no limite da “Villa”, portanto, além da taipa, e foi edificado em 1592, como se infere da Ata da Câmara de São Paulo de 20 de junho deste ano, da qual consta:

“apareceu o reverendo padre frei Antonio da ordem de Nossa Senhora do Carmo e pediu autoridade para sitiar uma casa nesta Villa e seus limites e lhe pareceu bem os ditos oficiais o que dariam conta de tudo ao povo.”

 

Construção do convento do Carmo em São Paulo

Leonardo Arroyo no seu excelente livro “Igrejas de São Paulo” informa que, obtida a licença, Frei Antônio de São Paulo iniciou imediatamente a construção do templo que servirá de núcleo para o futuro convento do Carmo que ele inaugurou em 1594 ao tempo do término da construção; o Convento e a Igreja do Carmo ficaram localizados no outeiro que dominava toda a várzea do Tamanduateí, que tomou o nome de esplanada do Carmo (depois Largo do Carmo) com frente para a ladeira que era o início do estrada do Brás, a que deram o nome de Ladeira do Carmo (o largo e a ladeira do Carmo constituem hoje o início da avenida Rangel Pestana, partindo da Praça Clóvis Bevilacqua).

Imagem produzida por Inteligência artificial a partir da gravura de Jean Baptiste Debret - 1827

Desapropriação e Mudança em 1928

O convento e a igreja do Carmo dos padres Carmelitas permaneceram ao lado da igreja do Carmo, da Ordem Terceira do Carmo, até 1928, quando foram desapropriados pelo Governo do Estado de São Paulo para dar lugar ao prédio da atual Secretaria da Fazenda.

 

Expansão Nacional e Missões

A ação notável dos Carmelitas não parou com a fundação dos conventos e igrejas de Olinda, de Salvador, de Santos, de São Paulo e do Rio de Janeiro, pois, logo depois, espalharam-se por todo o território nacional, promovendo missões entre os índios, levantando conventos e igrejas, erigindo confrarias do Escapulário e fundando Ordens Terceiras, de tão grande expressão na história da nossa pátria. 

O zelo desenvolvido na catequese e na civilização dos índios, e nas obras assistenciais, pelos religiosos carmelitas de São Paulo, concorreu poderosamente para o engrandecimento desta terra, sem esquecermos os ingentes labores apostólicos em que estiveram empenhados os Franciscanos e os heróicos filhos da Companhia de Jesus. 

A sua passagem pelos mais remotos rincões de nossa terra ainda hoje se faz notar nos nomes de lugares e cidades, ruas e praças, rios e montanhas, igrejas e capelas. 

Das pouquíssimas Basílicas Menores de que se pode ufanar o Brasil, duas pertencem à Ordem do Carmo: a do Recife e a de São Paulo.

 

Missões no Grão-Pará

Na província do Grão Pará, como verdadeiros bandeirantes das florestas amazônicas, embrenharam-se pelas matas, alargando o território brasileiro, estendendo nossa soberania às cabeceiras do rio Negro, ultrapassando a linha convencional de Tordesilhas e realizando dessa forma, no dizer do renomeado escritor Lucas Nogueira Garcez e de outros historiadores, no Brasil setecentista, a missão mais arriscada, mais cheia de perigos, para levar aos ouvidos rudes dos selvagens as alegres novas da salvação.

 

Declínio no Período Imperial

Respeitados por colonizadores e indígenas como homens de Deus e Missionários de Cristo, desenvolveram-se os Carmelitas de modo extraordinário, atingindo o seu apogeu no tempo colonial. No Império, o Carmelo começou a entrar em declínio, arruinando-se a tal ponto que, no Segundo Império, pode-se dizer que se encontrava em verdadeira agonia.

A maçonaria agia então à larga, proibindo a aceitação de novos candidatos, seguindo assim as pegadas do Marquês de Pombal. Os claustros esvaziaram-se; os bens da Ordem foram sequestrados; os frades foram desaparecendo paulatinamente, até restarem apenas oito. Parecia o fim…

 

Restauração na República

Entretanto, com o advento da República, quando se esperava dar o golpe de misericórdia nas Ordens Religiosas pelo decreto da separação da Igreja do Estado, na verdade o que aconteceu foi a concessão da liberdade à Igreja. 

Como as árvores que durante o inverno conservam incubadas as suas energias, ou recebem a poda providencial para desabrochar com mais vigor na primavera, assim o Carmelo tornou a vicejar depois desse período de letargia a que esteve obrigado durante o Império.

Iniciou-se, desse modo, a restauração, primeiro com os Carmelitas espanhóis, em seguida em 1904 com os holandeses de saudosa memória. A Ordem tornou a florescer em todo o Brasil e conta atualmente com inúmeros conventos e paróquias em vários Estados. 

A Província de Pernambuco abrange os Estados de Pernambuco e da Paraíba; a Província Carmelitana de Santo Elias abrange os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Guanabara, Minas Gerais, Goiás e também Brasília; a Província da Bahia foi anexada à Província Carmelitana de Santo Elias; além disso muitos Carmelitas da Província Alemã Superior se encontram no Estado do Paraná, onde se dedicam a diversos tipos de apostolado.

 

Ação Apostólica e Social

Ao lado da contemplação os Carmelitas desenvolveram sempre intensa ação apostólica. Em nossa terra manifestou-se desde o início, como já dissemos, pela catequese e pelas missões. A ação social dos Carmelitas estende-se hoje a todos os ramos da atividade humana. Trabalham como diretores espirituais, vigários, capelães de hospitais e colégios, professores de seminários, ginásios e faculdades; levantam obras assistenciais dos mais variados gêneros.

 

Figuras Ilustres do Carmelo Brasileiro

Além de homens famosos pela santidade, o Carmelo Brasileiro deu também à Pátria personagens ilustres e valorosos, como Frei Caneca, célebre mártir da Revolução Pernambucana (1817-1824); Frei Leandro do SS. Sacramento, fundador do Jardim Botânico do Rio de Janeiro; D. Frei Pedro de Santa Mariana, preceptor do Imperador Pedro II; D. Frei Francisco de Lima, primeiro Bispo do Maranhão e Pará; Frei José da Madalena, introdutor da vacina contra a varíola.

 

Legado Arquitetônico e Cultural

Como já dissemos, o Convento e a Igreja do Carmo viveram ao lado da nossa Ordem Terceira na esplanada do Carmo até 1928, quando foram desapropriados pelo Governo do Estado, por 4.500 contos; nesse mesmo ano, os Carmelitas transferiram-se para uma chácara na Rua Martiniano de Carvalho; aí levantaram magnífico templo, um dos mais belos da capital bandeirante, verdadeira obra de arte colonial, onde foram aproveitadas todas as alfaias da antiga igreja; ainda hoje, nesta igreja podemos contemplar como os os altares e imagens, os púlpitos e as balaustradas, bem portais, tudo do século XVII. Aí temos um extraordinário exemplo de como é possível atualizar-se conservando contudo o que de bom o passado nos legou.

Imagem gerada por inteligência artificial do Convento e Igreja do Carmo da Ordem Carmelitana (1594), e a Igreja da Ordem Terceira de São Paulo (1632), no Largo do Carmo, antes Esplanada do Carmo, hoje avenida Rangel Pestana. Foto de 1912.

A história das Carmelitas é um testemunho de fé, missão e contribuição para a identidade cultural e espiritual do Brasil.

 

Fonte : Livro do Carmo, patrimônio da história, arte e fé – Raul Leme Monteiro, 1978.



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